Maria Inês - 01.07.2022

História Infinita, de Bruno Santos Barros Leal Fortaleza, em 30 de junho de 2022

Também das florestas nasce um texto, lá, onde a clorofila, primeira matéria do poema (OVDP, p. 12), cresce farta. É desse ramo que falta, o amor a matéria poema, que alguns se põem a colher, ouvindo,

em memória de Dom Phillips e Bruno Pereira “Preciso da História como território” (Uma data em cada mão, Maria Gabriela Llansol) Também das florestas nasce um texto, lá, onde a clorofila, primeira matéria do poema (OVDP, p. 12), cresce farta. É desse ramo que falta, o amor a matéria poema, que alguns se põem a colher, ouvindo, algures, o rumor silencioso do mundo. É assim, segurando uma data em cada mão, que insisto em tomar minha palavra começante, história, como: território, passagem, ponto de possível, amicícia _____________ Rio Branco, 18 de outubro de 2021 Fora um encontro de fulgor. Uma noite a acender o Candeeiro do Texto, fazendo-o luzir. Maria Inês de Almeida testemunha, na reunião da Prática da Letra, seu encontro fulgurante com Maria Gabriela Llansol. Repete, insistente, uma fala de Llansol dirigida a ela: “há os que escrevem sentados, como eu, mas há os que escrevem em movimento, caminhando”. Aqui, essa frase tomar-se-á, delicadamente, como “ato analítico”, pensamento verdadeiro (CA, p. 21), instante onde a palavra encontra seu começo. A palavra já seguia, é certo, seu curso de história, mas é nesse ponto do meio do caminho de nossa vida que o passado retorna, deixando-se “capturar como imagem que relampeja irresistivelmente no momento de sua conhecibilidade”. O caminho caminha na fala e no texto de Maria Inês, abrindo-nos para o começo de um outro livro precioso: Hitupmã’ax: Curar, um livro-ritual a fim de conjurar o “liame do visível com o invisível”. Ou, ainda nas palavras da professora, as primeiras que abrem o livro: “Os Maxakali estão apresentando sua saúde”. Ponto preciso onde o texto borda, conjuntamente, com a cura e com a saúde, a fim de refazer o nó da palavra, do corpo e da história, a nossa história. A memória desse livro, com o povo Maxakali e sob a orientação da legente e psicanalista Vania Baeta, abriu-se o livro Finita, Diário de Llansol, inquirindo se há algo que Maria Gabriela poderia dizer ali a eles. E, então, disse, (Jodoigne, 1 de Janeiro de 1976): "É o começo do ano, primeiro dia. Os camponeses permaneciam deitados, com olhos de videntes, e de mortos. Continua, a toada, exercida e íntima: e esperam outro tipo de vida que os desligue dos domínios dos Senhores; mas serão triturados pelos excessos a que, por sua vez, não deixarão de recorrer. Suspendo-me como se tivesse perdido a certeza, e olhando pela janela o pátio, constato que o nevoeiro paira sobre as cabeças, mesmo as das árvores. Muitas vezes, há um motivo que me vem: desligados do Poder de Estado. Não há dúvida que a mim me fascinam a balança do Poder e as contradições humanas que se exprimem na ideia de batalha; muitas das minhas forças são negativas mas fazem parte de um esforço conceptualmente tecido, trama de vibrações e de energias complementares. Há, pois, três livros, o da Paisagem, o do microcosmos do homem, e o da polimorfa mulher. Daqui, de longe, preparo neste fim de ano, o meu caminho de regresso, com prudência e sem ilusões. Faz talvez parte do Poder que quero usar, imprimir estes livros: entre a escrita do anonimato, e a escrita à beira dos homens, trava-se a batalha e eu sei que a culpa são as minhas cinzas, e minha maneira de ser decapitada" (F, p. 69). É ao redor dos textos dessas gentes que Maria Inês de Almeida tece sua escrita. Imprimindo, cuidadosamente, estes livros que se encontram entre a escrita de Ninguém e a escrita à beira do Mundo, dos homens e do Tempo: o litoral do mundo. Seria esse o método do livro vivo, infinito da história, que segue sendo impresso e escrito? Emily Dickinson, em tradução ardente de Maria Gabriela Llansol, assim escreve: “Se não posso deter-me – é porque o meu Trabalho é a Circunferência”5. O trabalho continua, contínuo, infinitamente, em um único esforço aceito: É preciso escrever todos os seres (F, p. 56). Continuemos, pois. Vale do Javari, 5 de junho de 2022: Fala-se em território porque a terra importa: A terra em vida. Herdar a terra (F, p. 136). Na terra uma herança, então. Escrevo, aqui, como se desenhasse na areia: à memória da terra. À memória dos que ousam herdar a terra em vida. Há aqueles que escrevem sentados e há aqueles que escrevem em movimento. Dom Phillips e Bruno Pereira escreviam, sobretudo, caminhando. Abrindo caminhos em seu andado, escrevendo os seres e circunscrevendo, corajosamente, onde não se administrava bem a Justiça da língua (BDMT, p. 7). Peregrinar pelas sendas da Justiça, não é, sabe-se, sem o custo de um corpo. Paga- se com a vida, a restante vida, em sua Batalha, aparentemente ininterrupta, entre as gentes e os Príncipes. Desse confronto, uma pergunta permanece pairando, lê-se: Será ou não possíveis vivermos na proximidade uns dos outros, constituir uma sociedade em que nenhuma pessoa, contra o respeito que deve a si mesma, seja reduzida à impotência, nem a cega opressão de alguém sobre ninguém? (LL1, p. 95). Os Príncipes, ao toque desta pergunta, escrevem a história, respondendo-lhe que a batalha já é perdida, mutilando, assim, as imaginações, decepando os membros inventivos e ocultando, furtivamente, os fragmentos de esperança. Nós estamos sempre a contar coisas uns aos outros. A maior parte das vezes são histórias de furor e sangue. Sabe-se. Mas não sempre (LL1, p. 118). Ainda há, em algum lugar, aqueles que decidem colher o ramo que falta, o dom poético, a miríade de possíveis. Dom e Bruno foram alguns destes, poetas do caminhar, colhiam enquanto peregrinavam. No entanto, a história, o que sabe contar a maior parte das vezes são narrativas de furor e sangue. Sabe-se. História, então, é palco de combate, “a arena de uma luta constante entre justiça e injustiça”6, mas também o elemento pelo qual se batalha. A esperança nunca é garantida, e é esta a Batalha que se escreve pelo Tempo. Despertar estas fagulhas de esperança é atributo daqueles que sabem que mesmo “os mortos não estão em segurança”7 e tão-só “os mortos podem julgar a pura violência da apropriação histórica”8. Jules Michelet, em um dos prefácios de seus livros infinitos, conta que “cada morto deixa um pequeno bem, sua memória, e pede que dela cuidemos”9, a história seria, para este, a leal amiga que prestaria tributo à memória de seu morto. Dessa forma, é possível dizer que a história encontra seu ponto de infinito na conversa (in)finita com aqueles que foram tragados pela morte. Assegurar isso, essa memória que arde como a esperança, talvez seja, também, assegurar o direito a morte10 daqueles que não o puderam ter: os vencidos e desaparecidos. Destroçados pela injustiça, aqueles de que gosto foram vencidos e andam dispersos (F, p.63), cabe, então, reunir os fragmentos, as fagulhas e, continuamente, acender o Candeeiro do Texto. Caso tomemos como verdadeira a cena mítica que Maurice Blanchot escreve, sobre a morte do último escritor, talvez possamos imaginar que no dia 5 de junho de 2022 um duplo “rasgão na espessura do silêncio”11 se alastrou sobre nosso país. Aqueles que escreviam com seu movimento, partiram, já não se ouvia mais o silêncio de seus passos. A morte, assim, causa uma interrupção nesse ponto onde a letra do escritor opera sobre o Tempo. Deparamo-nos com um ruído insanável após esse rasgão, forçados, cada um, a ouvir o alarido que a Injustiça da língua promove em seu cortejo. História, uma vez mais, aparece como uma leal amiga do Texto. Amigo e Amiga, escrevendo, (in)finitamente, as contas da memória-esperança daqueles que não podem mais (se) contar. Continuar contando também é aquilo que muitos que vivem na floresta dizem12. Continuar contando uma história a mais para adiar o fim do mundo. Adiar o fim, uma história infinita, então. Contar o contínuo, talvez, tal qual um amigo que diz corajosamente: “aquele que tem algo a dizer dê um passo a frente e fique em silêncio”. *** Como um poema que cresce entre as folhas, colho este ramo. Entrego-o. Não é sem dor, intuo, que o texto entra, e sai como paisagem: dedico a melodia é para a árvore e folhas; a leitura, a escrita, para o rosto entre ambas; o texto, ao entrar na árvore, sai paisagem. Resta-nos a dor de aprender a identificar (AA, p. 86). De Maria Gabriela Llansol: AA: Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004. Porto: Assírio & Alvim, 2004. BDT: Um beijo dado mais tarde. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014. CA: Causa amante. Lisboa: Relógio d’Água, 1996. F: Finita. Belo Horizonte: Autêntica, 2011. LH1: Livro de Horas I: Uma data em cada mão. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009. LL1: Lisboaleipzig 1: O encontro inesperado do diverso. Lisboa: Rolim, 1994. OVDP: Onde vais, Drama-Poesia?. Lisboa: Relógio d’Água, 2000. Outros: ALMEIDA, Maria Inês de. A ancestralidade da cura. In: MAXAKALI, Povo. Hitupmã’ax: Curar. Belo Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG; Edições Cipó Voador, 2008. BARTHES, Roland. “Durante muito tempo, fui dormir cedo”. In: O rumor da língua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988. BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas 1: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 2012. BENJAMIN, Walter. Karl Krauss. In: Ensaios sobre literatura. Porto: Assírio & Alvim, 2016. BLANCHOT, Maurice. A literatura e o direito a morte. In: A parte do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2011. BLANCHOT, Maurice. A morte do último escritor. In: O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2013. DICKINSON, Emily. Bilhetinhos com poemas. Trad. Maria Gabriela Llansol. Colares: Colares Editora, 1995. FELMAN, Shoshana. O inconsciente jurídico: Julgamentos e traumas no século XX. São Paulo: EDIPRO, 2014. KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020. LACAN, Jacques. O seminário: o ato psicanalítico (1967-1968). Livro 15. (s.d., versão anônima). MICHELET, Jules. “Préface”. In: Histoire du XIXe siècle, t. II (Le Directoire), Paris: Michel Lévy, 1872.

História Infinita, de Bruno Santos Barros Leal Fortaleza, em 30 de junho de 2022

Maria Inês
01.07.2022
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em memória de Dom Phillips e Bruno Pereira

“Preciso da História como território” (Uma data em cada mão, Maria Gabriela Llansol)

Também das florestas nasce um texto, lá, onde a clorofila, primeira matéria do poema (OVDP, p. 12), cresce farta. É desse ramo que falta, o amor a matéria poema, que alguns se põem a colher, ouvindo, algures, o rumor silencioso do mundo. É assim, segurando uma data em cada mão, que insisto em tomar minha palavra começante, história, como: território, passagem, ponto de possível, amicícia _____________

Rio Branco, 18 de outubro de 2021

Fora um encontro de fulgor. Uma noite a acender o Candeeiro do Texto, fazendo-o luzir. Maria Inês de Almeida testemunha, na reunião da Prática da Letra, seu encontro fulgurante com Maria Gabriela Llansol. Repete, insistente, uma fala de Llansol dirigida a ela: “há os que escrevem sentados, como eu, mas há os que escrevem em movimento, caminhando”. Aqui, essa frase tomar-se-á, delicadamente,

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como “ato analítico”, pensamento verdadeiro (CA, p. 21), instante onde a palavra encontra seu começo. A palavra já seguia, é certo, seu curso de história, mas é nesse ponto do meio do caminho de nossa vida que o passado retorna, deixando-se “capturar como imagem que relampeja irresistivelmente no momento de sua conhecibilidade”. O caminho caminha na fala e no texto de Maria Inês, abrindo-nos para o começo de um outro livro precioso: Hitupmã’ax: Curar, um livro-ritual a fim de conjurar o “liame do visível com o invisível”. Ou, ainda nas palavras da professora, as primeiras que abrem o livro: “Os Maxakali estão apresentando sua saúde”. Ponto preciso onde o texto borda, conjuntamente, com a cura e com a saúde, a fim de refazer o nó da palavra, do corpo e da história, a nossa história.

A memória desse livro, com o povo Maxakali e sob a orientação da legente e psicanalista Vania Baeta, abriu-se o livro Finita, Diário de Llansol, inquirindo se há algo

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que Maria Gabriela poderia dizer ali a eles. E, então, disse,

(Jodoigne, 1 de Janeiro de 1976):

"É o começo do ano, primeiro dia. Os camponeses permaneciam deitados, com olhos de videntes, e de mortos. Continua, a toada, exercida e íntima: e esperam outro tipo de vida que os desligue dos domínios dos Senhores; mas serão triturados pelos excessos a que, por sua vez, não deixarão de recorrer. Suspendo-me como se tivesse perdido a certeza, e olhando pela janela o pátio, constato que o nevoeiro paira sobre as cabeças, mesmo as das árvores. Muitas vezes, há um motivo que me vem: desligados do Poder de Estado. Não há dúvida que a mim me fascinam a balança do Poder e as contradições humanas que se exprimem na ideia de batalha; muitas das minhas forças são negativas mas fazem parte de um esforço conceptualmente tecido, trama de vibrações e de energias complementares. Há, pois, três livros, o da Paisagem, o do microcosmos do homem, e o da polimorfa mulher.

Daqui, de

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longe, preparo neste fim de ano, o meu caminho de regresso, com prudência e sem ilusões. Faz talvez parte do Poder que quero usar, imprimir estes livros: entre a escrita do anonimato, e a escrita à beira dos homens, trava-se a batalha e eu sei que a culpa são as minhas cinzas, e minha maneira de ser decapitada" (F, p. 69).

É ao redor dos textos dessas gentes que Maria Inês de Almeida tece sua escrita. Imprimindo, cuidadosamente, estes livros que se encontram entre a escrita de Ninguém e a escrita à beira do Mundo, dos homens e do Tempo: o litoral do mundo. Seria esse o método do livro vivo, infinito da história, que segue sendo impresso e escrito? Emily Dickinson, em tradução ardente de Maria Gabriela Llansol, assim escreve: “Se não posso deter-me – é porque o meu Trabalho é a Circunferência”5. O trabalho continua, contínuo, infinitamente, em um único esforço aceito: É preciso escrever todos os seres (F, p. 56). Continuemos, pois.

Vale do Javari, 5 de

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junho de 2022:

Fala-se em território porque a terra importa: A terra em vida. Herdar a terra (F, p. 136). Na terra uma herança, então. Escrevo, aqui, como se desenhasse na areia: à memória da terra. À memória dos que ousam herdar a terra em vida. Há aqueles que escrevem sentados e há aqueles que escrevem em movimento. Dom Phillips e Bruno Pereira escreviam, sobretudo, caminhando. Abrindo caminhos em seu andado, escrevendo os

seres e circunscrevendo, corajosamente, onde não se administrava bem a Justiça da língua (BDMT, p. 7).

Peregrinar pelas sendas da Justiça, não é, sabe-se, sem o custo de um corpo. Paga- se com a vida, a restante vida, em sua Batalha, aparentemente ininterrupta, entre as gentes e os Príncipes. Desse confronto, uma pergunta permanece pairando, lê-se:

Será ou não possíveis vivermos na proximidade uns dos outros, constituir uma sociedade em que nenhuma pessoa, contra o respeito que deve a si mesma, seja reduzida à impotência, nem a cega

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opressão de alguém sobre ninguém? (LL1, p. 95).

Os Príncipes, ao toque desta pergunta, escrevem a história, respondendo-lhe que a batalha já é perdida, mutilando, assim, as imaginações, decepando os membros inventivos e ocultando, furtivamente, os fragmentos de esperança. Nós estamos sempre a contar coisas uns aos outros. A maior parte das vezes são histórias de furor e sangue. Sabe-se. Mas não sempre (LL1, p. 118). Ainda há, em algum lugar, aqueles que decidem colher o ramo que falta, o dom poético, a miríade de possíveis. Dom e Bruno foram alguns destes, poetas do caminhar, colhiam enquanto peregrinavam. No entanto, a história, o que sabe contar a maior parte das vezes são narrativas de furor e sangue. Sabe-se.

História, então, é palco de combate, “a arena de uma luta constante entre justiça e injustiça”6, mas também o elemento pelo qual se batalha. A esperança nunca é garantida, e é esta a Batalha que se escreve pelo Tempo. Despertar estas fagulhas

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de esperança é atributo daqueles que sabem que mesmo “os mortos não estão em segurança”7 e tão-só “os mortos podem julgar a pura violência da apropriação histórica”8. Jules Michelet, em um dos prefácios de seus livros infinitos, conta que “cada morto deixa um pequeno bem, sua memória, e pede que dela cuidemos”9, a história seria, para este, a leal amiga que prestaria tributo à memória de seu morto. Dessa forma, é possível dizer que a história encontra seu ponto de infinito na conversa (in)finita com aqueles que foram tragados pela morte. Assegurar isso, essa memória que arde como a esperança, talvez seja, também, assegurar o direito a morte10 daqueles que não o puderam ter: os vencidos e desaparecidos. Destroçados pela injustiça, aqueles de que gosto foram vencidos e andam dispersos (F, p.63), cabe, então, reunir os fragmentos, as fagulhas e, continuamente, acender o Candeeiro do Texto.

Caso tomemos como verdadeira a cena mítica que Maurice

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Blanchot escreve, sobre a morte do último escritor, talvez possamos imaginar que no dia 5 de junho de 2022 um duplo “rasgão na espessura do silêncio”11 se alastrou sobre nosso país. Aqueles que escreviam com seu movimento, partiram, já não se ouvia mais o silêncio de seus passos. A morte, assim, causa uma interrupção nesse ponto onde a letra do escritor opera sobre o Tempo. Deparamo-nos com um ruído insanável após esse rasgão, forçados, cada um, a ouvir o alarido que a Injustiça da língua promove em seu cortejo.

História, uma vez mais, aparece como uma leal amiga do Texto. Amigo e Amiga, escrevendo, (in)finitamente, as contas da memória-esperança daqueles que não podem mais (se) contar. Continuar contando também é aquilo que muitos que vivem na floresta dizem12. Continuar contando uma história a mais para adiar o fim do mundo. Adiar o fim, uma história infinita, então. Contar o contínuo, talvez, tal qual um amigo que diz corajosamente: “aquele que tem

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algo a dizer dê um passo a frente e fique em silêncio”.

***

Como um poema que cresce entre as folhas, colho este ramo. Entrego-o. Não é sem dor, intuo, que o texto entra, e sai como paisagem:

dedico

a melodia é para a árvore e folhas; a leitura, a escrita, para o rosto entre ambas; o texto, ao entrar na árvore, sai paisagem. Resta-nos a dor de aprender a identificar (AA, p. 86).

De Maria Gabriela Llansol:

AA: Amigo e Amiga. Curso de silêncio de 2004. Porto: Assírio & Alvim, 2004. BDT: Um beijo dado mais tarde. Rio de Janeiro: 7 Letras, 2014.

CA: Causa amante. Lisboa: Relógio d’Água, 1996.

F: Finita. Belo Horizonte: Autêntica, 2011.

LH1: Livro de Horas I: Uma data em cada mão. Lisboa: Assírio & Alvim, 2009. LL1: Lisboaleipzig 1: O encontro inesperado do diverso. Lisboa: Rolim, 1994. OVDP: Onde vais, Drama-Poesia?. Lisboa: Relógio d’Água, 2000.

Outros:

ALMEIDA, Maria Inês de. A ancestralidade da cura. In: MAXAKALI, Povo. Hitupmã’ax: Curar. Belo

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Horizonte: Faculdade de Letras/UFMG; Edições Cipó Voador, 2008.

BARTHES, Roland. “Durante muito tempo, fui dormir cedo”. In: O rumor da língua. São Paulo: Editora Brasiliense, 1988.

BENJAMIN, Walter. Sobre o conceito de história. In: Obras escolhidas 1: Magia e Técnica, Arte e Política. São Paulo: Brasiliense, 2012.

BENJAMIN, Walter. Karl Krauss. In: Ensaios sobre literatura. Porto: Assírio & Alvim, 2016.

BLANCHOT, Maurice. A literatura e o direito a morte. In: A parte do fogo. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

BLANCHOT, Maurice. A morte do último escritor. In: O livro por vir. São Paulo: Martins Fontes, 2013.

DICKINSON, Emily. Bilhetinhos com poemas. Trad. Maria Gabriela Llansol. Colares: Colares Editora, 1995.

FELMAN, Shoshana. O inconsciente jurídico: Julgamentos e traumas no século XX. São Paulo: EDIPRO, 2014.

KRENAK, Ailton. Ideias para adiar o fim do mundo. São Paulo: Companhia das Letras, 2020.

LACAN, Jacques. O seminário: o ato psicanalítico

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(1967-1968). Livro 15. (s.d., versão anônima).

MICHELET, Jules. “Préface”. In: Histoire du XIXe siècle, t. II (Le Directoire), Paris: Michel Lévy, 1872.